segunda-feira, novembro 26, 2007

A festa parecia próspera

A festa parecia próspera

Tomei café com Einstein
Mandei bilhete com coleópteros para Darwin,
Expliquei a Mendel sobre sorte e ele não entendeu
Gauss disse que eu era muito complexo
Descartes afirmou que eu existia e era o que importava
Pitágoras concordou falando que eu era um dos muitos números 2
Fiquei confuso ao passo que Pascal disse “é isso mesmo jovem triângulo”
Vandermonde começou a implicar com Ruffini
Bháskara disse que a discussão chegaria ao zero e todos se calaram
Comecei a falar com Heinsenberg e aplaudi seu súbito sumiço

Do nada surge Critilo dizendo que havia uma carta e um embrulho para mim na entrada
Newton me acompanhou e riu quando um rapaz do Movimento Uniforme passou correndo
Entrei com o pacote a tempo de ver Young tentar transpor duas portas ao mesmo tempo
Abri a caixa: Hooke me mandou um aparelho e uma garrafa de vinho
Pediu para colocar a rolha nele e observar
Watson e Crick não deixaram
E logo tornaram o líquido em taças com desenhos de hélice
Sócrates gritou de longe “cuidado com o que bebe!”
Osvaldo Cruz completou: “verdade, olha o botulismo!”

Snell chegou reclamando que as janelas eram opacas demais
E Ampére ligou as luzes
Depois com Tesla e Thomas Edison
Joguei sinuca
A maioria das tacadas foi violentamente elástica

Já tarde, Camões contou-me sua heróica aventura de sua casa até a festa
Vieira, que ouviu tudo, aplicou grande sermão
Machado, que tinha ido ao banheiro, se envergonhou ao ver quem sentava em sua cadeira
Repentinamente Marx me chamou para ver “algo impensável”:
Napoleão, Vitória e Otto conversavam como velhos amigos
Quando notaram-nos olhando começaram a brigar
Durkheim sorriu e foi à mesa de canapés
No fim, acompanhei Catarina até o carro por conselho de Byron
Quando eu ia embora Tutankhamon repetiu o que disse a todos “se beber não dirija”

No dia seguinte levantei esperançoso
Fiz o possível,
mas não creio na vitória.

É, a festa parecia próspera, mas não foi.

P.S.: João Cabral ouviu falar desse texto e me mandou catar feijão
--
Não pergunte. =P

quinta-feira, outubro 18, 2007

Wikipedia, seu filho da ****

Bom, por incrível que pareça ainda tem gente que acha a wikipedia uma boa fonte de pesquisa.



 


Porra, agora não tem mais.

Nota do autor: o referido artigo já foi corrigido pelo pessoal da Wikipedia.

quinta-feira, setembro 20, 2007

Ida

_ Eu vou.
_ Vai mesmo?
_ Err... vou?
_ Ué, não disse que ia?
_ Pois então! Vou.
_ Então por que perguntou?
_ Porque gosto do som de vozes.
(...)
.
.
.
.
_Fale alguma coisa, por favor.
--
Não entendi porque escrevi isso.

quarta-feira, setembro 19, 2007

bancroft

Ontem notei algo estranho na minha perna
picada de inseto.

Estudava biologia
pensei tenho elefantíase

Pânico
pesquisa no google
calma

Inchaço por reação alérgica
a saliva do inseto

Não era
Mas podia
Não podia?
Podia, uma pena.
--
Esse foi o primeiro de textos aleatórios que decidiram por surgir em mim. Não garanto nada de bom disso. Mas é assim mesmo.

quarta-feira, julho 18, 2007

Considerações de possível retorno

Personas,

Como devem ter reparado o Macaco foi abandonado (ou quase). Eu não vou dar desculpas quanto a isso. Mas hoje tento atualizá-lo como tentativa final de salvá-lo do limbo. Esse é um  projeto de que não quero abrir mão tão facilmente. Não prometo nada, mas penso em fazer atualizações quinzenais. Desejem-me sorte.

Tem mais. Por uma volta da maré fui convidado a participar de outro sítio (Encontre o Peixe) junto com os ilustres escritores: Elvira Yoki, João do Caminhão, Lola, Sr. Cetecentos, Miss Ginsu e Domenik. Bem, eu sou um desses e peço visitas. É um projeto de seis vidas que está em jogo.

Por último, recomendo enfaticamente o projeto da Confraria dos Blogueiros Suspeitos: Austregésilo Foi para o Céu? É um projeto genial encabeçado por Quinho e Clara McfFly. A Confraria conta com a participação de:
Mymi - http://missmymi.blogspot.com
Clara McFly - http://garotasquedizemni.ig.com.br/
Flá Wonka - http://garotasquedizemni.ig.com.br/
Vivi Griswold - http://garotasquedizemni.ig.com.br/

Flávio - http://comentariosabertos.blogspot.com
Muta - http://www.ideiasmutantes.com.br
Quinho - http://thecurtoegrosso.blogspot.com
Dan Bayer - http://thecurtoegrosso.blogspot.com
Lacerad - http://thecurtoegrosso.blogspot.com
Hemeterio - http://oiretemeh.blogpost.com
Fal - http://www.dropsdafal.blogbrasil.com/
Ronald - http://rockdeindio.com/fsp/
Daniell Rezende - http://daniell.blogspot.com
Celso Miranda
Marmota - http://www.interney.net/blogs/marmota/
Sérgio Vinicius - www.morfina.com.br
Moskito - http://www.dequejeito.com.br/

Vale a pena conferir o trabalho desse pessoal. ;)

That's it for while. A new text is coming this week, I hope.

segunda-feira, março 19, 2007

Polvorosa

Polvorosa

Ventos mudaram o caminho
 E as nau atingem o hermoso litoral
do aroma de liberdade o ninho
O povo bem vestido desce
O nu aparece
Tudo foi polvorosa

O industrioso mudou o caminho
Sua Majestade chegou fugindo
abriu as portas, saiu e deixou-as abertas
Filho e Neto tentaram a casa arrumar
Mas, temendo garradas que não as de bar
fugiram para além-mar
Tudo era polvorosa

O Velhinho mudou o caminho
Fez guerra, fez paz, teve carinho
Aos olhos do povo um herói
Aos da liberdade aquele que a destrói
Teve um descanso mas logo volta
Se revolta: atira em si mesmo e entra para a História
Tudo ainda era polvorosa

O Operário mudou o caminho
O povo viu o piá arrastado do ninho
Tudo continua polvorosa

Ontem, hoje, quem sabe sempre
Polvorosa

terça-feira, janeiro 09, 2007

Talk Show Ni recebe Aquaman

Talk Show Ni recebe Aquaman

[texto que concorreu para a Promoção de Natal do Garotas que Dizem Ni, vale a pena ler os selecionados e o grande vencedor :para saber da promoção clique aqui e para ler o grande vencedor clique aqui]


Hoje quando as pessoas pensam em roupas nas cores laranja e verde pensam “que é antiestético” (o apresentador fez aspas com as mãos). Mas, há pouco tempo atrás essas cores eram sinônimo de um nome: Aquaman. Em um grande esforço do nosso canal trouxemos aqui com exclusividade esse grande amigo nosso.


Garotas que dizem Ni:Antes de qualquer coisa gostaríamos de agradecê-lo por essa exclusiva.

Aquaman: O prazer é todo meu.

GQDN: Agora, Aquaman, responda a dúvida de todos, por onde você andou?

A: Ah, eu estive muito cansado e um pouco frustrado. Eu tive uma discussão com o pessoal da Liga da Justiça quando o Batman quis economizar e cortou o orçamento dos meus peixes. Eu briguei com ele e ele criou a maior confusão quando o chamei de morcegão fluorescente. O Robin ficou chorando no canto, a Mulher Maravilha começou a dar sermão... Aí achei melhor dar um tempo e voltar pra Atlântida.


GQDN: Falando na Liga da Justiça, que fim levaram os outros heróis não tão famosos assim? Por exemplo o Chefe Apache, os Super Gêmeos...

A: O Chefe Apache diz ter se aposentado, mas tenho pra mim que ele é chefe de um grupo guerrilheiro na Colômbia. Já o caso dos Super Gêmeos é triste. Eu vivia falando que não era uma boa se transformar em baldes de água... Enfim, o Zan caiu numa piscina e ninguém nunca mais o viu. A irmã continua como águia e faz umas pontas naqueles filmes infantis em que animais falam e aquele macaquinho tosco se enforcou com a própria cauda.


GQDN: Nossa, isso foi triste...

A: Mas todo mundo sabia que algum dia ia dar problema. Quando irmãos tentam trabalhar junto saem coisas do tipo Sandy e Junior....Argh, dá uma coisa só de pensar. Vamos mudar de assunto.


GQDN:Ok. Quais são seus super poderes? Além de se comunicar com os peixes, quero dizer.

A: Eu posso nadar bem rápido.


GQDN: Só isso?!

A: Como assim “só isso”? Na água sou mais rápido que o Superman!


GQDN: Sim, claro. Mas é que...er... seus poderes meio restritos...

A: Restritos? Como assim?


GQDN: É que, bem, vamos supor que temos um meteoro vindo em direção a Terra. Sabe, não é no cara que fala com os peixes que vamos depositar nossas esperanças, entende?

A: Esse pessoal que é muito preconceituoso. Cada herói tem seus poderes e fraquezas. Eu preciso de água para lutar bem, o Superman precisa ficar longe daquela pedrinha verde e o Batman precisa manter a conta bancária gorda. Por aí vai...


GQDN: Certo, certo, entendi. Mas diz aí, você continua na ativa?

A: Eu nunca parei de trabalhar, mas é que agora tem um pessoal muito boa pinta do Greenpeace fazendo boa parte do meu trabalho. Aí eu quase não apareço e acabei me acomodando um pouco, entende? Agora fico boa parte do tempo em Atlântida, preparando marzipan.


GQDN: Você prepara marzipan debaixo d’água?

A: Bem, nós tentamos. Na minha última tentativa perdi o setor 6.


GQDN: O que houve?

A: Problemas técnicos, nada demais. Aham. Próxima pergunta?


GQDN: Certo. O que você acha da versão de Bob Esponja do Aquaman, também conhecida como Homem Sereia?

A: Eu acho que o Bob Esponja é contra a moral e os bons costumes do oceano. Sorte dele que ainda não descobri onde é a Fenda do Biquíni. Sabe, eu não daquelas pessoas secas e conservadoras, mas o Homem Sereia é difamação!


GQDN: Entendo seu ponto de vista...Quais são seus planos? Podemos esperar um retorno do Aquaman nas telonas?

A: Eu recebi algumas ligações. O pessoal tem uns projetos. Vamos ver no que vai dar. Só não sei se vai ser filme ou série. Eu pensei em alguma coisa como “Aquaville, as aventuras do Aquaboy” ou em “Aquaman Returns”. O problema é que só de pensar nisso já recebi um monte de ameaças de processo por plágio. Hahaha.


GQDN: Para finalizar: Aquaman, desculpe a franqueza, mas por que os super-heróis sempre usam a cueca por cima da calça?

A: Isso não é engraçado.


GQDN: Eu não disse que era.

A: Mas pensou.


GQDN: Eu garanto que...

A: É fácil ver porque nós, super-heróis, estamos em uma encruzilhada. Nós estamos em crescente conflito com a sociedade hoje...


GQDN: Vai responder a pergunta ou não?

A: Vocês insistem em fazer essas perguntas, criando o malfadado ícone de super-herói tradicional...


GQDN: Isso é um não?

A: Nós também temos sentimentos e segredos. Todo mundo tem...


GQDN: Bem, eu não falei sobre... Bom, então agradecemos pela sua presença. Alguma consideração final, Aquaman?

A: Até a Lassie salvava o dia, mas ninguém fazia a ela perguntas desse tipo e...


GQDN: Até a próxima no Talk Show Ni.

A: E no Natal ninguém lembra de enviar panetones pra Sala da Justiça...


GQDN: Obrigado e boa noite.

A: É tudo culpa da mídia, ela deixa vocês cegos, cegos de... Ei! Por que apagaram as luzes?

domingo, dezembro 03, 2006

Paz interna

               ***

_ Senhor, está pronto para saber o resultado do seu exame?

_ Sim, manda bala.

_ Bem, vamos ver o que temos aqui. Hmmmm...

_ O que foi doutor?

_ Olha, não sei como dizer isso. Você tem diabetes...

_ E o que mais?

_ Não se preocupe, hoje em dia o diabético...Epa, peraí, o senhor já sabe?

_ Saber não eu não sabia. Mas lamentos não vão fazer a doença sumir, vão doutor?

_ Não, claro que não...

_ Então não adianta reclamar. Continue.

Sem jeito, o médico tomou o exame em mãos e tornou a analisar os resultados.

         ***

_ E aí cara? Como tá seu boletim?

_ Quer ver?

_ Vamos dar uma olhada... Putz! Que merda hein? Você ficou de exame por meio ponto?

_ É, foi por pouco. Mas fazer o quê!

_ Hã? O quê? Quero dizer, você não vai reclamar? Você nem parece zangado...

_ Eu não. Não é nada demais.

_ Mas você vai passar as férias estudando! Você está feliz com isso?

_ Não, mas reclamar não vai fazer nota cair do céu, vai?

_ Errr...não.

       ***

_ Por onde você andou? Não te encontro há dias...

_ Desculpa, ando muito ocupado...

_ Você sempre anda ocupado não é? Nunca tem tempo pra mim... Faz mais de um mês que não nos falamos direito! Nem sei porque ainda namoro você.

_ A culpa não é minha. Não fico ocupado porque quero ou porque gosto.

_ A culpa nunca é sua! Já chega. Acabou!

_ Se você quer assim, sem problemas.

_ O quê? Você não vai falar nada?

_ Eu não. Você sempre foi muito decidida, não adianta tentar fazer você mudar de idéia.

_ Ah...Mas...

_ Espero que você seja feliz. Até algum dia.

      ***

_ Até que enfim você veio. Você anda mais que notícia ruim, credo. Às vezes parece que eu moro sozinho.

_ É verdade, aliás eu não só ando como notícia ruim mas também recebo um monte.

_ Você não tem cara de quem teve um dia ruim.

_ Peraí! Existe cara de quem tem dia ruim??

_ Ah, existe mais ou menos. O cara fica pra baixo, meio deprê ou com mal-humor ou...

_ As pessoas reagem de maneiras diferentes às coisas. Você faz psicologia, deveria saber.

_Calma, só fiz um comentário. Mas então, o que fez hoje?

_ Fui ao médico logo cedo. No exame deu que eu tenho diabetes. À tarde fui na escola pegar meu boletim, fiquei de exame por meio ponto. E agora pouco a Carla terminou comigo.

_ Putamerda meu! Que dia! E você aí como se nada tivesse acontecido...

_ Não adianta ficar revoltado com meio mundo. Isso não vai mudar nada. Você não acha? O negócio é empurrar com a barriga e manter o bom-humor.

_ É, você está certo. Mas , sei lá. Você é calmo demais...

_ Pode até ser. Mas eu sou assim. Você sabe. Escuta, cadê minhas batatinhas?

_ Batatinhas? Que mané batatinhas, cara?

_ Minhas Ruffles que costumavam ficar na dispensa! Onde estão?

_ Ah! Ruffles! Fala como gente cara.

_ Para de implicar, vá! Onde elas estão?

_ Eu comi.

_ Você o QUÊ?
 

quarta-feira, outubro 11, 2006

Sem título

Já estava cansado daquele corredor de paredes envelhecidas e luz doentia. Não agüentava mais a visão daquele espelho à sua frente, tão encardido que mal refletia as imagens do corredor. Ecoam passos lentos e pesados no corredor. O medo preenche seu coração. Ele sente um formigamento e um mal-estar insuportável. Precisa se proteger. Procura alguma porta aberta mas não obtém sucesso. Então, defronte a uma antiga porta de madeira sinalizada com algumas letras que não conseguiu ler, percebe um carpete surrado.

Sua esperança é encontrar uma chave de emergência debaixo deste. A sorte estava ao seu lado: lá estava ela, envolta num pequenino monte de sujeira de sabe-se lá quantos anos de existência. Não pensou duas vezes: pegou para si a chave sem se importar com o fato de que em cinco minutos aquele micro-ecossistema estava prestes a formar um mofo superdesenvolvido e único em toda a estupidamente grande imensidão do Universo. Uma perda imensa para todo o nosso pequeno fragmento do Cosmo.

Testou a chave na porta: ela se abriu. Empurrou a porta; esta fez um rangido desagradável. Trancou-a o mais rápido possível. Foi só depois disso que atentou ao quarto em que estava. Parecia ter sido limpo recentemente. Havia nele apenas um móvel: uma mesinha sobre a qual estavam apoiados um telefone e uma secretária eletrônica.

Parecia inacreditavelmente impossível mas lá estava ela. Uma luz vermelha fraca e piscante atrapalhava a morbidez da escuridão daquele quarto impecavelmente limpo. A secretária eletrônica alertava: havia mensagens não escutadas.

Os passos pareciam ter cessado havia cinco minutos. Pensou em checar os recados. Seu dedo indicador já estava a poucos centímetros da secretária quando os passos recomeçaram, um pouco mais lentos e descompassados que os anteriores. Mais uma vez o medo tomou conta de seu ser. Desejava agora voltar para casa e plantar aquele canteiro de azevinho na frente de sua antiga morada. Queria poder ver as andorinhas fazendo ninho no telhado uma vez mais. Anseava por degustar aquele chá de bergamota uma última vez...

Enquanto imaginava momentos melhores se distraiu e, sem querer apertou o botão de rebobinar da secretária. O barulho o fez acordar de seus devaneios. O ruído da secretária parecia aterrador em meio àquele silêncio interrompido ocasionalmente por passadas distantes no corredor.

Permaneceu por alguns instantes daquela forma: de pé, imóvel, com o dedo indicador sobre o aparelho e os olhos entreabertos. Depois que se recobrou do estado de choque resolveu sentar ao lado da mesa e ouvir os recados, afinal precisava preencher seu tempo para desviar o mais rápido possível seus pensamentos daquele local desagradável e do destino que o aguardava.

Após alguns segundos, determinado, optou por apertar o play. Havia apenas três mensagens. Ouviu atento a todas elas. O que escutou foi o seguinte:
1- “ Atenção, no terceiro bipe teriam sido 23 horas e 42 minutos... Bipe... Bipe... Biiiiiiii...”;
2- “Fandango!”;
3- “É a vovó! Você deixou seu ursinho na minha casa!”.

Ficou confuso. E não é para menos, não são os tipos de recado que se espera ouvir. Resolveu ignorar o assunto e, quando julgou que os passos no corredor haviam cessado, resolveu deitar-se no chão, onde dormiu excelentemente mal.

No dia seguinte acordou surpreendido com o barulho do que julgava ser um aspirador de pó. O som vinha do corredor. Aproximou-se da porta para ouvir melhor. Chegou à tempo de ter seus pés solapados pela poeira que entrou pela fresta da porta, ao que tudo indica usavam um expirador de pó. Resolveu sair de lá e checar o corredor. Não poderia passar o dia inteiro naquela sala estranha.

Ao abrir a porta deu de cara com uma faxineira que, bastante surpresa, perguntou-lhe:

_O que fazes aqui? Como entraste? Não sabes que esta exposição fecha aos domingos? Ei, não me diga que te trancaram aqui...

_Hã?_ disse confuso.

_Olha, faz o seguinte, vais embora logo e eu fico quieta, tá ok? Nenhum de nós quer confusão,não? Para achar a saída é seguir até o fim do corredor.

_Ah!_ exclamou ele ridiculamente.

Caminhou até o fim do corredor e foi embora. Jurou nunca mais exagerar na bebida, principalmente quando fosse visitar instalações de arte moderna.

*Deveria haver um motivo para essa história ser divulgada, mas no ímpeto de inspiração a justificativa desapareceu quando o autor vislumbrou uma possibilidade que também foi esquecida após um acidente ridículo.

sábado, setembro 16, 2006

Saúde, Vida e Capitalismo

Saúde, Vida e Capitalismo
*
Não existe palestra mais manjada para ensino médio do que as que tratam de sexualidade e DSTs. E, como em toda palestra, os alunos ficam bastante felizes em deixar a sala de aula, nem que seja por apenas 40 minutos. Nesta quinta-feira, dia 14, tivemos uma palestra sobre (adivinhe) DSTs no colégio. Segue abaixo a história.

Aula de geografia: o grupo 7 começa a apresentação de seu trabalho sobre a China. Surge a coordenadora na porta. Ela chama a professora. Ouve-se um “hmmmmmm” na sala; a concentração do grupo e de toda a sala foi por água abaixo. Após um breve diálogo a professora anuncia: vamos ver mais uma palestra sobre DSTs. As reações são diferentes: alguns reclamam dizendo que seria mais do mesmo, outros já se mostram felizes e até mais acordados pelo simples fato de escapar da aula dupla de geografia.

Na sala da palestra surge, após um atraso de 5 minutos, um homem vestido de branco e de olhar demoníaco. “Não quero que vocês me chamem de doutor ou professor, essa é uma palestra informal, podem me chamar de André”. Atenção nessa fala, o palestrante afirma ser médico e se chamar André (estranho não falar o sobrenome, não?)... Veremos.

“Posso fazer dois tipos de palestra e isso” - diz “André” com um olhar maléfico- “vocês vão escolher: ou eu faço cada um responder às minhas perguntas (!) ou fazer uma palestra em que todo mundo responda ao mesmo tempo. Qual vocês preferem?”. Obviamente a segunda opção foi escolhida.

“Olha pessoal, eu vou mostrar fotos aqui meio fortes. Ééé, é o que normalmente aparece lá no nosso ambiente de trabalho. Se alguém ficar chocado, passando mal avisa ‘ó André, não to legal’. Eu já vi gente desmaiando quando viu isso. Não deixe você desmaiar. Me avisem ok?”. Esse argumento foi usado apenas para chamar a atenção. Conseguiu.

Então começa a palestra: aborto é o 1º tema. Mostra fotos de bebês abortados com a seguinte introdução “agora vejam ESSA foto!”. Depois diz “por que isso acontece? Não houve prevenção! Por que não houve prevenção? Não tinha informação!”. “André” ressalta que aborto é ilegal e só pode ser feito em caso de estupro ou de feto defeituoso. Entretanto também faz questão de destacar que o custo de cirurgia para aborto é de 800 reais. Aqui ocorre a primeira contradição do palestrante.

Um dos alunos levanta o braço, segue o diálogo:
Aluno: “Por que que as pessoas não deixam pra adoção ao invés de abortar?"
“André”: "O que você quis dizer com isso?” - ele não esperou a resposta - "Eu também penso como você....É, né... Temos que entender essas pessoas. Vou falar sobre isso depois".

Agora vem a parte mágica da palestra: “quando vocês estão doentes, aonde vocês procuram informações?”.
“Pais – não pode confiar!
Médico –pode confiar, mas não tem médico 24 horas. Nem pro rico tem!
Enfermeiro – não sabe de nada, não fez curso de medicina.
Farmacêutico – mesmo caso do enfermeiro.
Amigos – sabem tanto quanto ou ainda menos que você.
Internet – preciso falar algo?
Professor – claro! Você vai chamar a professora de matemática e dizer às 4 da manhã : ‘Professora, acho que estou grávida’. Não dá pra confiar também gente!
Livro – Ah, agora sim! Esse dá pra confiar. É o único que dá pra confiar gente. Só que um bom livro de medicina custa, em média, 500 reais. Mas tratando de saúde, isso é caro ou barato?”.
“Barato!” reponde o coro de alunos-zumbi. Estava preparado o terreno.A mensagem superliminar havia sido transmitida.

Próximo tema: AIDS. Argumento em prol do livro: o custo do tratamento da AIDS é a vida, do livro é 500 reais. Depois seguiram mais duas doenças e mais três fotos que quase estragaram o apetite.

No que parecia ser o fim da palestra vem a pergunta: “ pessoal, nesses quarenta minutos de palestra o que vocês me dizem? Valeu a pena ou não valeu?”. “Valeu” responde o mórbido coro. Foi então que veio o anúncio : “Legal pessoal. Lembra do que eu falei dos livros de medicina custarem 500 reais? Então eu tenho aqui comigo, ah, eu sei que metade de vocês está com aquela cara de ‘eu sabia!’. Mas calma, deixa eu terminar. Tenho aqui comigo esses três livros com TUDO de medicina, todas as áreas, todas as doenças, uma seção de perguntas e respostas, tratamento, perguntas e repostas, profilaxia, sintomas, enfim, tudo mesmo. Agora, eu não vou vender isso pra vocês por 500 reais, porque vocês vão receber isso de GRAÇA! [aplausos dos zumbis ao fundo] O projeto [nome reservado] faz isso com todas as escolas, e essa foi a vez da escola de vocês!!!”.

Em meio aos aplausos [que duraram muito mais do que deveriam] vem a notícia: “Só que eu não vou ter livros pra todo mundo. Na verdade não tenho livros nem pra metade de vocês...” . A alegria se desvaneceu. Ele alega “Mas gente, olha só, é de graça! Quem levantar a mão primeiro ganha. 3, 2, u-segunda vantagem!” Nesse momento todos ficaram alvoroçados. André começou a escrever na lousa uma série de vantagens. Passados uns 15 minutos ele pergunta: “Gente, o que é que falta?”. “O preço!” respondem os alunos já não tão zumbificados.

André, ao ver que estava perdendo o controle das mentes fala rápido: “Eu não quero dinheiro, eu não quero seu cheque, eu não quero seu cartão. Isso aqui é desenvolvido pelo projeto [nome reservado]. Só vou passar esse boleto, vocês vão assinar e pagar no banco B.Q. no dia 10/11. Vocês sabem qual é o banco B.Q. gente? Qualquer banco, isso mesmo! Mais um detalhe, vocês nunca vão achar esse livro nas melhores livrarias, vocês só podem adquiri-lo AGORA!”.

Nesse instante escreve na lousa 399. Então diz “Calma gente! Falta um zero: 3990”. “Ah, esqueci de uma coisa: 5x de 3990”. A gracinha já tinha durado tempo de mais, então André termina logo: “5x de 39,90 gente! Um normal custaria 500 reais, vocês podem levar por 5 de 39. E desse dinheiro nada cai do meu bolso, esse é só o custo de encadernação!Quem quiser levanta a mão que eu passo o boleto, mas gente pelo amor de Deus não saiam da sala para pegar canetas! Eu tenho algumas comigo”.

Metade dos alunos levanta a mão. Eu devo confessar aqui que não ia levantar a mão, porém a coerção social foi tamanha que acabei cedendo. Tínhamos que nos apressar para ir até o carro do “André” buscar o livro, ele tinha que sair da cidade para chegar cedo em “São Paulo”. Lá o recebemos com um sorriso no rosto [que não durou muito]. Terminada a palestra e a entrega de livros os alunos poderiam descer para o intervalo.

Eu aproveitei o intervalo para folhear o livro. Que sorte a minha. O livro tinha apenas e unicamente uma seção de perguntas e respostas. Não tinha nem um décimo do que o palestrante havia divulgado. Era óbvio o porque de não ser vendido nas melhores livrarias.Também estava claro o porquê da palestra acontecer no dia que o professor de biologia não estava na escola. Quase comi meu braço de tanto desgosto. Comecei um alarde. Era preciso. Convenci todos da minha sala a ir discutir com a coordenadora.

Ela e a diretora (que também foi alertada) acharam um absurdo e entraram em contato com o grupo. Nesse ínterim as pessoas do 1º e do 3º colegial que também adquiriram o livro ficaram sabendo da nossa tentativa de resgatar nosso dinheiro e também foram reclamar.
Depois de uma hora de tensão chegava-se ao resultado: todos poderiam devolver os livros sem problema algum, seria enviado um cancelamento à cada aluno na segunda-feira e o advogado da escola já tinha sido alertado.

Agora vamos citar alguns atos ilegais de “André”:
1- tentou criar um contrato com menores, esses contratos não tem validade por lei;
2- fez propaganda enganosa do livro, primeiro por mentir sobre seu conteúdo e depois por alegar que era de graça;
3- não deu o seu nome completo, em caso de erro de impressão como faríamos para encontrá-lo?
4- no contrato com o colégio estava claramente especificado que a palestra não tinha e nem poderia ter qualquer ligação com a divulgação e/ou venda do livro...

Mais tarde ainda descobrimos que “André” (se é que ele não mudava de nome em cada cidade) não era médico, sequer enfermeiro. Tratava-se de um vendedor. E mais, a corrida viagem deste para São Paulo teve uma escala em Avaré, onde ele deu uma certa palestra sobre DSTs.